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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

7 Milhões para os Distritos: Uma alocação Ineficiente dos Recursos

Opinião de Eugénio Chimbutane

Segue abaixo um texto que escrevi lá para 2008. Acredito que ainda vale a pena reflectir sobre este assunto sempre actual. A qualquer momento o texto poderá ser revisto e/ou melhorado.

Contexto e Funcionamento

Moçambique goza actualmente de uma estabilidade macroeconómica, social e política. O PIB se situou em cerca de USD 6 Biliões em 2007, com um crescimento de 7%. A taxa de inflação está próxima de 1 dígito, estando na casa dos 10%. O investimento (sobretudo investimento estrangeiro) tende a aumentar, principalmente na área de turismo e recursos naturais. Apesar dessa tendência, o orçamento do estado continua a ser financiado por fundos externos em mais de 50%, o custo de vida continua elevado e o país ainda experimenta níveis elevadíssimos de pobreza absoluta, calculados em cerca de 50% e um baixíssimo índice de desenvolvimento humano reflectindo deficiências na educação, saúde e baixo desempenho económico.

É dentro dos esforços de desenvolvimento do país que o governo vem acelerando os processos de desconcentração e descentralização administrativa e financeira dos vários órgãos e instituições do Estado. Associado a isso, o principal slogan do actual Presidente da República se inspira na visão do Distrito como Pólo de Desenvolvimento e que para tal defende que este deve ser dotado de recursos próprios, geridos pela própria comunidade, visto que esta conhece melhor os seus problemas e que está na melhor posição de definir por si própria, as prioridades de desenvolvimento local. Assim, arranjos jurídico-legais foram efectuados para enquadrar a criação do Fundo de Investimento de Iniciativa Local (vulgos 7 milhões) e por essa via dar vida o slogan presidencial.

O Fundo de Investimento de Iniciativa Local é uma dotação orçamental na despesa de investimento de cada um dos 128 distritos, criado em 2006 com o objectivo de financiar iniciativas, com impacto imediato na melhoria das condições de vida da população local, nomeadamente na produção de comida e criação de emprego.

O fundo é gerido por um Conselho Consultivo distrital (CC). Este congrega as autoridades comunitárias, os representantes de grupos de interesse de natureza económica, social e culturais escolhidos pelas comunidades na base de confiança. O conselho consultivo transporta as preocupações das comunidades, nomeadamente no domínio social, económico e cívico. Apesar das decisões sobre a aplicação dos fundos ser feita ao nível do CC, estes são movimentados pela Administração do Distrito, visto esta estar familiarizada com as regras da administração financeira do Estado. As taxas de Juro aplicadas nos empréstimos concedidos no âmbito deste fundo, variam entre 1%-12% dependendo da actividade. Não foi possível apurar as condições em termos de montantes mínimos e máximos, muito menos os prazos de reembolso exigidos.

No início, quase todos os distritos derraparam na aplicação deste fundo. A maior parte dos administradores alegou falta de instruções claras sobre a utilização dos fundos. De facto, um governante chegou a afirmar que “deixamos o critério em aberto para estimular a criatividade”. Nesta fase, uma grande parte do fundo foi aplicado para reabilitação de edifícios e casas, compra de mobiliário e material, motorizadas, etc., para as administrações, reabilitação de estradas, saneamento do meio, construção ou reabilitação de escolas e hospitais. Mais tarde, houve uma insistente campanha de sensibilização sobre o uso correcto dos fundos. A “nova” abordagem do uso dos fundos locais pregava o uso dos 7 milhões para a produção de comida e geração de emprego. Nos últimos tempos, os fundos estão a ser alocados a projectos de geração de rendimento e emprego em diversas áreas, como agro-pecuária, agro-processamento, pesca, abastecimento de água, construção, mecânica e serralharia, carpintaria, corte e costura, etc.

O impacto desta iniciativa é visível em vários distritos, apesar de várias reclamações sobre a falta de clareza da atribuição dos empréstimos aos pequenos empresários. Associado a isso, há um problema de sustentabilidade do fundo, devido ao grande potencial de baixo reembolso por parte dos beneficiários. Este facto, leva a que o Estado tenha que injectar fundos anualmente como se de investimento público se tratasse. Por acaso, como é recuperamos os fundos aplicados pela Administração na reabilitação de uma estrada? Ou fundos aplicados a projectos insustentáveis e com falta de serviços e infra-estruturas de apoia à produção?

O nível de reembolsos dos fundos é baixo por falta de critérios e estratégia consistente de gestão destes fundos. Uma das facilidades para o acesso a este fundo é a não apresentação de garantias. Esta facilidade devia ser combinada com o rigor na avaliação dos projectos sob o ponto de vista da sua probabilidade de sucesso, associada ao perfil do empreendedor e ao real potencial do negócio para um determinado distrito ou região. Ainda, há vários casos de atribuição dos fundos a singulares, numa situação em que se devia privilegiar sociedades ou associações, para além da atribuição de montantes bastante pequenos, com pouca probabilidade de produzir impactos palpáveis.

Racionalidade Económica do Fundo

A nova abordagem do Distrito como centro de atenções em questões de desenvolvimento é bastante inovadora e com grande potencial de alcance desse objecto. Contudo, não concordo que o distrito seja o pólo de desenvolvimento, se bem que ainda não percebi claramente a essência desse discurso. Eu prefiro tratar o distrito como o centro de produção de matéria-prima bruta ou pré-processada para a indústria que devia estar localizada entre a cidade e o campo. Esta lógica é sustentada pelo facto da cidade estar mais equipada com infra-estruturas e com mão-de-obra qualificada, para além da tendência de migração ser de campo-cidade. Por exemplo seria insensato procurar construir universidades no campo. O campo precisa de ensino técnico médio Professional. Isto é, se a tendência de migração é essa, é possível montar uma espécie de filtro no meio do caminho, onde de facto só transita para a cidade aquele que “provar” possuir capacidade de suportar as modernidades, custo de vida e disciplina urbana. Esse filtro, para além de descongestionar as cidades, seria um contributo para o aumento da produção e produtividade, e por essa via, para a promoção do desenvolvimento através da promoção da indústria. Na verdade, esta zona entre o campo e a cidade é que deve constituir o verdadeiro Pólo de Desenvolvimento.

O fundo da iniciativa local devia portanto, financiar iniciativas de produção de matérias-primas para a indústria, através da promoção do pequeno empresário local. O fundo devia ser alocado aos distritos por outras vias e não pela via do orçamento do estado. Esse fundo devia ser gerido por instituições financeiras vocacionados para o efeito, que oferecem, como pretende o estado, condições de crédito favoráveis (custo, prazo e pouca burocracia), mas aliado a isso, um bom e criterioso sistema de concessão e recuperação dos fundos. Planificar e identificar necessidades locais não significa necessariamente ter dinheiro em mão para implementar iniciativas locais. É possível uma coabitação entre os Conselhos Consultivos e Fundo, mas o fundo deve ser gerido por uma instituição vocacionada a promoção de pequenos negócios. A título do exemplo, o próprio Estado possui instituições parecidas, como o FARE, iniciativas que promovem a expansão de bancos para as zonas rurais, etc. Qual é a relação entre essas iniciativas e os 7 milhões? Com a actual abordagem do desenvolvimento local, o estado concorre com instituições financeiras privadas e com várias ONGs que operam nos distritos. O Estado deve cuidar das suas tarefas tradicionais, que consistem na garantia de infra-estruturas e serviços públicos. Não deveria o Estado garantir várias actividades através dos canais normais, como das direcções distritais dos vários ministérios? Por exemplo, porquê temos de construir ou reabilitar sistemas de rega ou comprar sementes melhoradas com os 7 milhões, se temos no mesmo distrito uma direcção distrital da agricultura com orçamento respectivo? A mesma pergunta é válida para a área de estradas e pontes, saúde e educação. Ou seja, não estaríamos a substituir as atribuições destes órgãos com os malditos 7 milhões. São malditos porque, apesar de financiar a produção de comida, em vários pontos do país são fonte discórdia e ódio, sobretudo na relação comunidade - governantes locais. Por exemplo, não sei quantos, mas já caíram vários administradores e dirigentes por causa deste fundo.

Uma das provas da falta de estratégia nesta iniciativa é a atribuição do mesmo montante (7 milhões) a cada distrito. Qual é a racionalidade de tal procedimento, se os distritos tem tamanhos e potencial de desenvolvimento diferente? Qual é afinal o ponto de partida? Ainda, como é que podemos esperar uma boa gestão de fundos se deixamos os critérios de uso dos fundos com os Conselhos Consultivos, e atribuímos os fundos a beneficiários com falta de experiência de gestão de negócios? Os beneficiários, para além de possuir alguma experiência (ou no mínimo haver garantia de formação destes, antes de atribuir o fundo) deviam ser associações ou sociedades entre pequenos empresários de modo a conferir maior profissionalismo e espírito empreendedor.

O outro factor crítico para o sucesso desta iniciativa seria a realização de um trabalho de fundo com vista ao desenho de perfis distritais sob ponto de vista de potencialidade de negócios. Por exemplo, está claro que nem todos os distritos são propícios à produção de banana. O que significa que financiar a produção de banana num distrito sem condições para tal, seria o mesmo que enterrar dinheiro. Os 7 Milhões deveriam financiar apenas projectos pré-definidos de acordo com as especificidades de cada distrito. Caberia ao governo (ex. Ministério da Planificação e Desenvolvimento) encomendar a elaboração de estudos de pré-viabilidade dos negócios com maior potencial de sucesso em cada distrito e que os fundos distritais apenas deveriam financiar projectos alinhados com esse perfil.

Em suma, a iniciativa de colocar tomar o distrito como a base de planificação e desenvolvimento é estratégica. Para tal, é legítimo criar um fundo específico para o financiamento de iniciativas de desenvolvimento local. Entretanto, essas iniciativas deverão ser coordenadas dentro de uma estratégia nacional, que na minha opinião, estaria concentrada na promoção da indústria e exportações como o principal destino da produção local. Esse fundo devia ser gerido separadamente e não caberia no contexto de orçamento do Estado. Portanto, seria ideal criar uma instituição (ou usar as actualmente existentes) equipada com infra-estruturas, meios e uma componente de capacitação aos beneficiários e ao CC em matérias de empreendidorismo e gestão de negócios. Quanto ao Estado, este continuará com a sua tarefa de prestar serviços públicos e na criação de infra-estruturas, cujo âmbito ultrapassa o conceito de distrito. Portanto, o Estado continuaria como facilitador e principal articulador do desenvolvimento e a mão invisível da economia do mercado (se existir) cuidará do resto.

1 comentário:

  1. Caro
    Estou a escrever um artigo sobre este assunto. Foi bom ter lido o seu e ver quer convergimos e o que trago no meu sao estitisticas que mostram e provam as constantacoes o nivel real dos reembolsos e para tal estou a estudar a provincia de Inhambane e o distrito de inharrime em especificp

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