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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Sete Milhões e Pobreza em Moçambique (Extracto de Entrevista a Carlos Castel-Branco ao jornal Savana, 08.10.2010)

Segundo o IOF 2008-9, a pobreza reduziu nas zonas urbanas, mas aumentou nas zonas rurais, região onde há uma forte intervenção dos sete milhões. O que de facto está a acontecer. Será que a política dos sete milhões está a falhar?

O que nós temos que ver quando olhamos para aqueles dados em que nestes sete anos (2003-10) - que inclui os primeiros cinco da governação do presidente Guebuza – é que quase não se mexeu na pobreza. Os dados estatísticos dizem que nas zonas urbanas diminuiu e nas zonas rurais aumentou. Nas zonas urbanas diminuiu 0.7%, nas rurais aumentou 1.4%. Se nós dividirmos isso por sete anos vai dar uma movimentação nula da pobreza. Todos os anos há uma movimentação de 0.2 na pobreza. Isso pode ser erro estatístico. Não é explicado por nada. A minha conclusão não é que a pobreza aumentou em termos globais em sete anos. Pela estatística o que é significativo é que não houve redução da pobreza. Esses números estão dentro do erro estatístico, não é uma coisa que se possa fazer grande argumento. Mas não diminuiu. Não afectou a pobreza, mas a economia cresceu em 55% e a pobreza não mexeu. Alguma coisa há de problemático. Pior ainda quando a retórica dos cinco anos anteriores foi nas zonas rurais, presidência aberta e sete milhões. Mas quando olhamos para os números a pobreza não mexeu em termos agregados. Acontece que em algumas zonas a pobreza reduziu, porque foi feito um grande projecto que criou empregos. Noutras zonas não houve nada. E no balanço disso à escala nacional a pobreza não mexeu. O que isto mostra em que o nosso crescimento económico é altamente ineficaz a tratar os assuntos da pobreza. Alguns podem dizer que os sete milhões vão levar tempo a gerar emprego. Mas os projectos que estão a ser feitos de auto empregos, onde está o impacto disso. Não são só os sete milhões que são problemáticos, é toda a abordagem, toda a filosofia, todo o paradigma do desenvolvimento do país.

Por que é que os “sete milhões” não parecem ter tido impacto nenhum na pobreza rural?

Primeiro, os ditos “sete milhões” são valores demasiado pequenos para fazer mudanças de estrutura em Moçambique. Ao todo, os distritos recebem por ano 2% do orçamento geral do Estado (OGE) e 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique. Por que é que 2% do OGE deveria alcançar o que os restantes 98% não alcançam? Quando o projecto piloto de descentralização distrital teve lugar em Nampula entre 2002-2005, por ano os distritos desta província recebiam o dobro do que hoje recebem todos os distritos do País. Segundo, os dados não mostram nenhuma realocação significativa de fundos para os distritos. Os fundos distritais são retirados dos orçamentos provinciais e representam cerca de 7% da totalidade dos orçamentos alocados às províncias.

Terceiro, estes fundos são distribuídos para projectos individuais de pessoas localmente influentes e não atingem os mais pobres. Quarto, sendo alocados para projectos individuais, estes fundos operam independentemente da infra-estrutura, da base logística, da base empresarial e institucional que possa garantir o sucesso produtivo e reprodutivo da sua aplicação. Há casos individuais de sucesso – alguns pequenos comerciantes, agricultores e artesãos tiveram sucesso. Mas isto não é forma de combater a pobreza quando quase 12 milhões de moçambicanos vivem com um rendimento abaixo da linha de pobreza. O País não precisa de alguns casos de sucesso para serem mostrados nas presidências abertas e nas feiras; o País precisa de sucesso para milhões de moçambicanos todos os anos se a pobreza alguma vez vai reduzir. E sucesso para milhões de pessoas todos os anos não se consegue com paliativos distribuídos individualmente aos mais influentes de cada local.

Segundo as directivas do Governo, os sete milhões devem ser prioritariamente aplicados na produção de comida. As estatísticas do IOF 2008-09 mostram que a produtividade per capita e por hectare baixou, e que a produção de comida per capita está a cair a 1,5% por ano em média. No entanto, as mesmas estatísticas mostram que a posse de bens duráveis aumentou. Será que os sete milhões estão a ser usados para adquirir bens duráveis importados (bicicletas e rádios - que já houve tempo em que os produzíamos em Moçambique e com qualidade - telefones, entre outros) em vez de produzir comida? Se produzir comida não for tornado viável empresarialmente e acessível para todos pelo esforço combinado do governo e produtores, é mais fácil viver de sete milhões e importar bens duráveis. (Entrevista completa aqui)

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